Pulverização aérea - Uma chuva que intoxica

Agrotóxicos raramente permanecem no lugar onde foram aplicados. Fatores ambientais como o vento e a temperatura provocam o transporte de gotas desses químicos. Com a pulverização aérea, muito comum no Brasil, essa deriva vai ainda mais longe, alcançando povoamentos, plantações e áreas de proteção ambiental.

Infográfico Aterrizagem Forçada

Quando os agrotóxicos são aplicados, eles podem ser soprados pelo vento para as terras vizinhas. Esse fenômeno é chamado de deriva, e é intensificado por bicos mal ajustados e inadequados, pela velocidade excessiva do veículo de pulverização ou por uma técnica que aumenta significativamente a distância alcançada pelas gotas: a pulverização aérea, feita por aeronaves agrícolas. Desde 2009, a pulverização aérea é proibida em todos os países da UE, com exceções concedidas apenas sob condições rigorosas. No Brasil, a modalidade segue amplamente utilizada.

De acordo com a Frente Parlamentar Agropecuária do Congresso Nacional brasileiro, a pulverização aérea se justifica pela maior rapidez na realização da pulverização; pela execução em solos de difícil acesso; e pela redução das perdas na produção causadas pelo amassamento das plantas e do solo oriundo da passagem do pulverizador terrestre. Essas vantagens desconsideram os danos ambientais e humanos provocado pela deriva dos agrotóxicos, que se amplia devido à impossibilidade de controle dos fatores ambientais que incidem sobre a aplicação aérea. Algumas pesquisas indicam que a deriva da pulverização aérea pode ocorrer entre 2 km até 32 km de distância da área alvo.

Além das instáveis variáveis ambientais, como vento, umidade do ar e temperatura, existe um debate sobre a efetividade técnica da pulverização aérea. Esse tipo de aplicação reduz o diâmetro das gotas de agrotóxicos, o que pode permitir uma maior cobertura das plantas, mas também aumenta o impacto da interferência ambiental na deriva. Estudos realizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária concluíram que, mesmo seguindo todas as instruções relativas à calibração, temperatura e ventos ideais, apenas 32% dos agrotóxicos pulverizados chegarão às plantas, outros 49% vão para o solo e 19% se espalham pelo ar para áreas circunvizinhas da aplicação.

Em relação aos impactos humanos e ambientais, é preciso considerar que quase todas as aplicações são formadas por misturas de preparações com um ou mais produto, ou seja, contendo aditivos, solventes, coadjuvantes, excipientes e impurezas, que podem ser tão ou mais tóxicos que o princípio ativo principal, e que também podem alterar sua toxicidade.       A pulverização aérea é amplamente questionada por especialistas devido aos diversos registros de casos de exposições permanentes a esses coquetéis de substâncias, prejudicando a saúde de populações rurais e de moradores da zona urbana de municípios das regiões produtoras, submetidos a viverem em ambiente com contaminação química recorrente.

Devido a diversas denúncias decorrentes do uso da pulverização aérea no Brasil, que incluem desde o uso intencional sobre comunidades em situação de conflito – com contaminação humana aguda, subaguda e crônica –, até a contaminação de cultivos orgânicos e agroecológicos certificados, diversas ações de limitação do uso da técnica têm sido implementadas no Brasil. A ação de maior incidência é a Lei 16.820/19, conhecida como Lei Zé Maria do Tomé, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado do Ceará. A decisão é inédita entre os estados brasileiros, e justificada pelo entendimento de que a pulverização aérea viola o direito fundamental ao meio ambiente, agride a saúde humana e contamina em larga escala os recursos hídricos.

Além do Ceará, até 2023, outros 19 municípios em todas as regiões brasileiras também já haviam restringido a técnica. No Acre, há a Lei nº 2.843/2014, que estabelece a vedação da aplicação de agrotóxicos por pulverização aérea dentro ou num raio de dez quilômetros de áreas habitadas e de unidades de conservação. Essa lei é importante porque as restrições impostas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) são insuficientes para a proteção das áreas habitadas e de proteção ambiental. A Instrução Normativa nº 02/2008 delimita apenas que “não é permitida a aplicação aérea de agrotóxicos em áreas situadas a uma distância mínima de: a) quinhentos metros de povoações, cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população; b) duzentos e cinquenta metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais”.

Nos últimos anos, tem se tornado comum o uso de drones para a pulverização aérea de agrotóxicos. As empresas do ramo divulgam que a prática causa menor impacto, pois ao substituir a aplicação manual, evitaria o contato do trabalhador com o produto. Além disso, o sobrevoo dos drones é mais baixo, o que reduziria a deriva. Por esse motivo, a técnica tem conquistado adeptos em todas as regiões e vem sendo considerada legal até mesmo em municípios que já tinham proibido a pulverização aérea, como Nova Venécia, no Espírito Santo.

Mas a escassez de estudos sobre os impactos do uso de drones gera preocupações, principalmente devido à relativização das distâncias para aplicação. A Portaria Nº 298 do MAPA, de 22 de setembro de 2021, estabelece que a distância mínima de povoações ou áreas de proteção ambiental que a pulverização por drones deve respeitar é de apenas 20 metros. Soma-se a essa questão a fragilidade no processo de fiscalização da pulverização aérea, tanto por aeronaves tripuladas quanto por drones.

Assim, o método de pulverização aérea é considerado ineficiente devido aos seus impactos e às elevadas perdas dos produtos pulverizados. Sua adoção acaba sendo justificada por setores do agronegócio principalmente por razões econômicas, em detrimento da racionalidade técnica e dos princípios de prevenção e precaução. 

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